“A prepotência do seu coração o enganou, ó você que habita na fenda das rochas, cuja morada fica no alto da montanha” (Obadias 3a).
Contrastando com o versículo anterior, no qual Deus avisa que tornaria Edom pequeno e desprezível, o versículo 3 mostra a visão que os edomitas tinham de si e de onde vinha a confiança deles para que agissem, sem medo, com tanta perversidade e crueldade: “a prepotência do seu coração”. Essa expressão, traduzida aqui de modo mais literal, pode também ser construída na forma “o seu coração orgulhoso” com a mesma fidelidade. Desse modo, a “prepotência” do povo, que, obviamente, não condizia com a realidade na qual Deus interfere sem dificuldades em qualquer circunstância, não passava de uma arrogância vazia e repreensível. Porém, mais do que simples broncas, Edom pagaria um preço mais alto, pelo fato de que agiram de modo errado porque seu orgulho “o enganou”, conferindo-lhe certezas falsas. O mesmo verbo traduzido aqui com o sentido de “enganar”, traz consigo, em outro grau da língua hebraica, a ideia de acolher “falsas esperanças”. Foi exatamente o que ocorreu com aqueles homens. Movidos por orgulho e presunção, confiando excessivamente em si mesmos e desconsiderando o tratamento de Deus, foram enganados pela ideia de serem imbatíveis, acolhendo falsas esperanças de sucesso e vitória, simplesmente porque deixaram sua arrogância nublar outras verdades que deveriam ter entrado em seus cálculos a fim de agir com sabedoria.
Mas em que estava essa esperança que, presunçosamente, eles abrigavam em seus corações enganosos? Simples: sua geografia. A topografia montanhosa de Edom constituía uma forte defesa natural. Isso é propositalmente posto em destaque pelo Senhor ao dizer que se tratava de uma nação “que habita na fenda das rochas”. Essa é uma referência às fortificações naturais edomitas, com altas montanhas rochosas e um planalto elevado, razão pela qual consideravam-se inexpugnáveis — basta lembrar, a título de ilustração, da dificuldade romana de invadir o último reduto judaico, em Massada, no ano 73, numa região relativamente próxima e de relevo semelhante. Na verdade, era mais fácil invadir uma cidade fortificada com altos muros que penetrar as cidades edomitas no alto das montanhas rochosas. Assim, sua inexpugnabilidade era motivo de arrogância por parte de seus antigos habitantes.[1] Mas o engano causado pelo coração soberbo e prepotente de Edom fez eles pensarem que isso traria alguma dificuldade ao Deus de Israel, o qual, em tom irônico, faz aqui um trocadilho com a palavra hebraica para “rocha”, mesmo nome de uma importante cidade edomita: Sela (Jz 1.36; 2Rs 14.7).[2] Entretanto, do mesmo modo como eram arrogantes e altivos, confiados em suas altas rochas, eles seriam humilhados e rebaixados pela ação do Senhor (v.2). Deus os derrubaria do alto poder que julgavam ter, fazendo com que o tombo fosse tão grande como o valor elevado que, orgulhosamente, viam em si — outro conceito irônico, mas com nuances severamente punitivas. O fato é que Jeremias resume tudo isso, dizendo: “O terror que inspiras e a soberba do teu coração te enganaram. Tu que habitas nas fendas das rochas, que ocupas as alturas dos outeiros, ainda que eleves o teu ninho como a águia, de lá te derribarei, diz o Senhor” (Jr 49.16).
É interessante notar que muitos séculos se passaram e que mesmo nos lugares mais distantes do planeta, corações enganados por sua prepotência e arrogância ainda podem ser notados sem qualquer dificuldade. É claro que a soberba das pessoas nem sempre vêm de morarem em rochas elevadas, mas de cargos proeminentes, habilidades singulares, salários avantajados, posses numerosas, conhecimentos acumulados, beleza notável, amizades poderosas e relacionamentos invejáveis. Por uma dessas coisas, ou várias delas, os seres humanos são facilmente “enganados” por seus “corações prepotentes”, julgando-se, também, mais “elevados” que os demais. Para quem pensa assim, enganado pelo mais perverso orgulho, poucas pessoas chegam ao seu nível, razão pela qual se sentem invencíveis e acima dos demais. Seja no trabalho, relacionamento, convivência e até em uma simples conversa, o orgulhoso se sente superior aos outros, como se estivesse em um lugar alto de onde pudesse ver o que os demais não podem. Bem, essa é uma sensação muito boa, mas traz consigo alguns males, visto que a Bíblia diz a respeito de Deus: “Porque tu salvas o povo humilde, mas os olhos altivos, tu os abates (Sl 18.27).
Dos vários males que podem acometer os presunçosos de coração, dois se destacam, especialmente levando em consideração esse texto de Obadias. O primeiro mal é Deus ridicularizar aqueles que se deixam enganar pela prepotência do coração, fazendo com que, em vez de respeito, segurança e louvor, tais pessoas encontrem, em um momento ou outro, o oposto de suas aspirações. Do mesmo modo que ocorreu com Edom, Deus pode rebaixar, humilhar (v.2) e até de dar ensejo a tristes ironias em suas vidas (v.3), dando um sentido vivo ao ensino que diz: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda” (Pv 16.18). O segundo mal é trazer punição divina, independente da segurança que o prepotente imagine ter. Todo o poder, prestígio, riqueza e renome que alguém tenha, nada são diante do longo braço justo e santo do Senhor, do qual ninguém pode fugir, se esconder ou se proteger, pelo que ele mesmo afirma: “Ainda que desçam ao mais profundo abismo, a minha mão os tirará de lá; se subirem ao céu, de lá os farei descer” (Am 9.2). Nada que nos traga a sensação de proteção pode nos proteger da disciplina de Deus. Por isso, a lição é nos curvarmos diante do Senhor, com corações contritos e humildes, e não apenas obedecermos suas orientações, mas também depender dele para tudo, colocando-o como única razão da nossa segurança, sabendo que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6).
[1] The NET Bible, First Edition. Biblical Studies Press: www.bible.org, 2006 [Ob 1.3, nota 13].
[2] Baker, David W.; Alexander, T. Desmond; Sturz, Richard J. Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias : Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 38.