O autor da carta, Paulo, apresenta-se logo no início como “apóstolo enviado, não da parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai...” (1). Conforme visto no estudo sobre os aspectos introdutórios, Paulo vinha sofrendo ataques de falsos mestres que, atuando entre as igrejas da Galácia, diziam que ele não tinha a mesma posição e autoridade dos apóstolos de Jerusalém. Por isso, a fim de que sua epístola não fosse recebida como uma carta qualquer, vazia de credibilidade e poder e, assim, fosse de pronto desprezada, Paulo, de antemão, enfatiza aos seus leitores que o que têm em mãos são ensinos procedentes de um apóstolo verdadeiro; alguém que recebeu essa função do Filho de Deus e do próprio Pai. Nisto, entre outras coisas, ele se diferenciava daqueles que, já em seu tempo, se autodenominavam apóstolos, movidos apenas pelo desejo de se destacar entre os crentes comuns e, assim, enganá-los (2Co 11.13; Ap 2.2).
No v. 1, Deus Pai é mencionado como aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos. A menção da ressurreição de Cristo é importante aqui porque foi o Cristo ressurreto quem diretamente investiu Paulo no ofício apostólico (Rm 1.5). Ademais, a ênfase na ressurreição era sempre conveniente numa época em que os homens estavam tão familiarizados com o pensamento grego que, em algumas de suas manifestações, considerava a matéria má, a ponto de mais tarde, dentro de uma roupagem cristã, negar a encarnação do Filho (1Jo 4.2; Hb 2.14) e a ressurreição física (1Co 15.12; 2Tm 2.18).
Ao escrever a Carta aos Gálatas, Paulo estava na companhia de um grupo de irmãos. Não sabemos onde o Apóstolo estava quando escreveu essa epístola e, portanto, nem de que cidade eram os irmãos que tinha em sua companhia. Seja como for, Paulo faz alusão a eles como se fossem participantes da composição da carta (2), sem dúvida com o objetivo de sensibilizar os destinatários ao mostrar-lhes que os apelos dali constantes não eram fruto das preocupações de uma mente isolada, mas que essas mesmas preocupações eram compartilhadas por irmãos na fé sinceros que se uniam a Paulo em suas exortações, fazendo com ele um coro.
Eis aqui uma forma produtiva como a igreja deve demonstrar unidade: aliando-se aos ministros em seus apelos e exortações, dando assim maior força às suas mensagens e mostrando aos que estão no erro a reprovação unânime do povo de Deus. De fato, nada encoraja mais os rebeldes do que a consciência de que há crentes que não concordam com as reprovações que lhes são dirigidas.
Como é seu costume, Paulo deseja que seus destinatários desfrutem da graça e da paz que vem de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo (3). A graça é o favor de Deus ministrado aos homens quando estes nada fizeram para merecê-lo. A paz é a ausência de intrigas nas relações entre as pessoas e também a serenidade interior experimentada por quem desfruta de saúde e do suprimento das necessidades em geral. A fonte de tudo isso, para Paulo, é Deus.
Se, por um lado, o Pai foi descrito como quem ressuscitou Jesus dentre os mortos (1), no v. 4, ao mencionar novamente as duas Pessoas, Paulo focaliza Cristo, apontando-o como aquele que “se entregou a si mesmo por nossos pecados”. A morte voluntária de Cristo é afirmada aqui (Jo 10.17-18), bem como o seu sentido teológico, ou seja, o fato de sua morte ser a satisfação pelos nossos pecados (1Jo 2.2; 4.10). Para os galateus, fascinados com a idéia de que a observância da lei mosaica poderia salvá-los, era crucial que Paulo frisasse que somente a morte de Cristo pôde satisfazer as exigências de Deus. Buscar satisfazer a justiça divina através de obras humanas seria o mesmo que afirmar a insuficiência da cruz (Gl 2.21).
Ao sofrer a morte que era a punição pelos nossos pecados, Cristo não somente teve como alvo nos substituir no castigo a nós devido. Ao tirar-nos dentre os condenados à morte, ele conseqüentemente nos resgatou “desta presente era perversa” (4). O verbo traduzido como “resgatar” é ἐξαιρέω e também significa livrar ou libertar do poder de outra pessoa. Há aqui um breve lampejo do tema “liberdade cristã”, presente em toda epístola. A “presente era” da qual Cristo nos resgatou é o atual sistema cultural com seus valores, crenças e apelos. Trata-se de um sistema que rejeita Deus e, por isso é perverso e merecedor de justo castigo.
Cristo sofreu a nossa condenação e, assim, nos libertou deste mundo condenado. Não somos mais participantes do seu destino e também não devemos mais ser participantes de suas práticas e modo de pensar. Fomos tirados de uma Sodoma que em breve conhecerá o fogo do juízo e, não sendo mais seus cidadãos, não devermos adotar seu estilo de vida (Rm 12.1-2).
Paulo conclui dizendo que todo esse livramento foi pela vontade do Pai (Ef 1.5; Tg 1.18). A origem da salvação está sempre em Deus. É ele quem parte em busca do homem (Gn 3.9; Os 11.1-2; Lc 19.10). O contrário nunca acontece (Jo 5.40; Rm 3.11). Por isso, é natural que a seção termine com o Apóstolo atribuindo e ele “a glória para todo o sempre. Amém!” (5).