O ato de demonstrar gratidão pelas grandezas divinas ou de clamar por alguém pelas bênçãos do Senhor se chama “bendizer”. A palavra hebraica para tal ação é barak, a mesma usada para descrever a ação de Deus de conceder bênçãos. Então, quando Deus efetua tal ação, o sentido da palavra é “abençoar”. Porém, como o homem não tem a mesma capacidade de efetivar bênçãos, ao ser o autor da ação do verbo barak, o significado passa a ser “bendizer” — a visão supersticiosa dessa atividade, a qual acredita que o homem tem poder em si, é retratada pela palavra “benzer”. Assim, é no sentido de “bendizer” que as pessoas descritas no Salmo 134 atuam. Esse é o último dos salmos nomeados como “cântico de romagem”. Ele era cantado pelos peregrinos quando sua viagem havia chegado ao fim, seu propósito fora completamente atingido e eles estavam em pleno curso da adoração comunitária a Deus no Templo. No decurso do culto, o salmo expressa um chamado aos adoradores (vv.1,2), chamado esse feito por um homem, o próprio salmista ou, possivelmente, o sumo sacerdote, e a resposta que é a ele dirigida (v.3) — essas pessoas são identificadas pelos pronomes masculinos plurais dos vv.1,2 e pelo pronome masculino singular do v.3. Assim, o chamado do salmista ou do sacerdote é que o povo pratique a bendição a Deus, ou seja, a oração de uns em favor dos outros. Por isso, o salmo serve para assentar três pontos cardeais na prática da bendição pelos servos do Senhor.
O primeiro ponto cardeal do salmo é que as bendições pressupõem ligação do abençoado com Deus (v.1). O homem que se dirige ao povo diz em alta voz (v.1a): “Atenção! Bendizei vós ao Senhor, todos os servos do Senhor”. Apesar da segunda parte do versículo dizer que esses serviam a Deus “de noite” — o que faz com que alguns comentaristas associem tais servos com os levitas que trabalhavam no Templo —, o tom do salmo e sua ocasião de execução parecem descrever como servos do Senhor todos os adoradores ali presentes. A ordem de bendizer a Deus tem aqui o sentido de orar por bênçãos — esse sentido é compreendido pelo modo como o povo reage ao chamado, não louvando a Deus, mas clamando por sua ação abençoadora em favor do dirigente do culto (v.3).
Uma dificuldade na compreensão de tal chamado é que não se oferece o alvo das orações do povo. Entretanto, a falta de especificidade do pedido sugere que bendição deveria ser em favor de todos, como se dissesse: “Clamem a Deus por todos nós, ó servos do Senhor”. Contudo, mesmo que o chamado visasse à oração pelo povo em geral, ele é feito às pessoas ali presentes, àqueles (v.1b) “que permaneceis na casa do Senhor durante as noites”. Trata-se dos adoradores que, comprometidamente, deixaram seus lares e seus interesses econômicos para estar diante de Deus e lhe prestar todas as homenagens e louvores, de manhã até a noite, por vários dias. Essa ligação com Deus era pressuposta para que buscassem a Deus em oração uns pelos outros. Afinal, que vantagem haveria na oração dependente de quem orgulhosamente se mantinha longe do Senhor e da obediência a ele?
O segundo ponto cardeal é que as bendições requerem a busca por santidade de vida (v.2). Se o orgulho, a rebeldia e a independência de Deus não eram os solos para serem plantadas as bendições em favor dos irmãos, a impureza e o pecado também não. Por isso, o dirigente do culto diz em alta voz (v.2): “Levantai vossa mão santa e bendizei ao Senhor”. A segunda parte do versículo repete o que foi dito no texto anterior, mas o início do v.2 introduz a maneira como a bendição deveria ser realizada. Apesar de a maioria das traduções trazer algo do tipo “levantai vossas mãos ao santuário”, o texto hebraico não traz nenhuma preposição locativa ou artigo ligados à palavra qodesh (santo/santuário) — como ocorre em Sl 28.2 —, demonstrando se tratar de um adjetivo e não de um substantivo, o qual combina em número com a expressão “vossa mão”. Assim, parece que os dizeres de Paulo a Timóteo refletem exatamente a ideia em questão: “Quero, portanto, que os varões orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem animosidade” (1Tm 2.8).
Levantar as mãos é um gesto que expressa oração e adoração. Era exatamente isso que Israel fazia diante de Deus no Templo. Entretanto, a atenção não recai tanto sobre a ação quanto sobre o modo de realizá-la: em santidade. Para os israelitas, a expressão “mão santa” podia ter relação com a observância dos mandamentos relativos à impureza cultual, de modo que ninguém que não havia sido purificado ritualmente poderia prestar tal adoração no Templo. Entretanto, o sentido primário certamente era a própria santidade e pureza de vida, já que Deus se importava menos com o rito em si que com o coração e a devoção dos adoradores (1Sm 15.22; Os 6.6). Por isso, tanto na epístola paulina como nesse salmo, a orientação é manter a pureza por meio da obediência, do arrependimento e do perdão para que, sem qualquer impedimento, se possa elevar a voz a Deus suplicando por si e por outros.
O último ponto cardeal é que as bendições necessitam da ação abençoadora do Senhor (v.3). O final do salmo condena ao esquecimento a ideia supersticiosa do benzimento. Longe de realizar um ritual como que mágico a fim de promover o benefício do homem que dirigiu as palavras dos vv.1,2, o povo responde as orientações dos versículos precedentes, dizendo (v.3): “Que o Senhor, o criador dos céus e da Terra, te abençoe de Sião”. Dois fatores notáveis merecem atenção nesse texto. O primeiro é o autor da bênção. Se é o povo quem promove a bendição, o responsável pela bênção é o Senhor em pessoa. Ao agir, seu poder soberano é o lastro para que as bênçãos aos seus servos sejam efetivadas, motivo pelo qual o seu poder criador é mencionado aqui. O mesmo Deus que criou tudo que existe, sejam os céus, seja a Terra, seria o responsável por abençoar seus servos. Por isso mesmo, a ele se dirigiam as orações. Ao homem cabe a função de ser o receptor dependente de tais benesses.
O segundo fator notável é a menção de Sião como local de onde partem as bênçãos aqui preditas. A ideia do escritor não parece ser simplesmente o local em que os clamores eram apresentados. Sião não é apenas o local da manifestação das benevolências de Deus, mas a fonte delas. Trata-se de uma referência ao local em que Deus, representativamente, habitava entre o povo e de onde atuava em seu favor. É também referência às esperanças que Israel tinha de redenção e restauração escatológica pelo que viria a acontecer em Jerusalém com a vinda do rei Messias para reinar sobre eles e sobre as nações. Esses homens pareciam saber que, sem a ação abençoadora de Deus, não existiria uma bênção sequer — nem para Israel, nem para os povos, tanto no presente como no futuro.
Quantas lições preciosas e práticas aprendemos com esse salmo! Em primeiro lugar, também somos chamados a orar por nós mesmos, por nossas famílias, por nossa igreja e por todos os crentes ao redor do mundo. Também aprendemos que é necessária a manutenção da comunhão com o Senhor, por meio da santificação de vida, a fim de termos as condições ideais para buscá-lo em oração sem que nosso pecado nos torne antes dignos de disciplina que de bênçãos. Finalmente, somos lembrados de algo que a cristandade tem se esquecido — ou que tem trabalhado duro para esquecer — a respeito de quem Deus é: o Senhor soberano sobre a Terra e o determinador dos rumos da história, quer mundial, quer pessoal. Olhar com respeito e valor para tais princípios evidencia nossa própria identidade como “servos do Senhor”.