O Salmo 132 apresenta Deus em dois sentidos: ele não é desonesto e sua palavra não perde o valor com o passar do tempo. Esse salmo é um “cântico de romagem” e foi composto quando Israel ainda tinha um rei (v.10). Alguns defendem que o salmo foi escrito depois do retorno dos judeus do cativeiro babilônico, mas, ao identificarem o “ungido” do v.10 como sendo o Messias prometido, têm dificuldades em explicar o clamor no sentido de que Deus não viesse a rejeitá-lo. A citação livre das palavras de Salomão na consagração do Templo (vv.8-10 cf. 2Cr 6.41,42), a ênfase no tema da arca de Deus trazida ao seu lugar devido, a relevância da figura de Davi e a apropriação da aliança davídica a fim de beneficiar seu descendente real apontam os dias de Salomão, após a inauguração do Templo, como a data provável da composição do salmo.
Nesse contexto, tanto a presença de Deus marcada pela presença da arca como o estabelecimento da linhagem de Davi eram realidades vivas para os israelitas, pelo que oram pela manutenção de tais bênçãos. Assim, o Salmo 132 demonstra a iniciativa do povo de Israel de orar e colocar em Deus sua esperança tanto de que o Senhor permanecesse em sua habitação no Templo de Jerusalém, baseado em sua escolha da cidade para isso (2Cr 6.6), como de que mantivesse a linhagem davídica (2Sm 7.16). Mas não se trata de uma oração jogada ao vento. O salmista lança mão das promessas de Deus feitas no passado associadas ao seu caráter fiel que torna todas as suas palavras duradouras e verazes. Confiados na durabilidade de tais promessas, a oração do salmista e dos peregrinos tinha cinco aspectos.
O primeiro aspecto é, em si, o ato da oração (vv.1-5). Sem delongas, o salmista inicia seu cântico com um pedido claro e objetivo (v.1): “Ó Senhor, lembra-te de Davi e de toda a sua aflição”. O pedido “lembra-te” não supõe que Deus se esquece das pessoas, mas se trata de um pedido por intervenção e auxílio. O alvo da atuação solicitada é Davi, mas o contexto, contendo a recordação da aliança que Deus fez com ele em relação à sua descendência, demonstra que o beneficiário não seria Davi em pessoa, mas sua linhagem no trono de Israel. Ao mesmo tempo, recorda a ação dedicada e prioritária do rei (vv.2-4) que prometeu não se satisfazer até que trouxesse a Jerusalém a arca de Deus (v.5): “Até que eu ache um lugar para o Senhor, santuário para o poderoso de Jacó”. O que estava por trás disso é o fato de que a arca fora tomada pelos filisteus nos dias finais do sumo sacerdote Eli e devolvida aos israelitas, permanecendo longo tempo na casa do levita Abinadabe (1Sm 6). Ao que tudo indica, esse evento é citado na esperança da continuidade do que Davi iniciou e de ressaltar que a jornada chegou ao fim com a introdução da arca no majestoso Templo construído para esse fim.
O segundo aspecto é a motivação da oração (vv.6,7). Eles sabiam o que era ficar sem a arca e sentir que estava vago o lugar representativo da presença de Deus entre eles. Por isso, a iniciativa de Davi para trazê-la de volta é pintada como uma busca ansiosa por algo perdido e desejado (v.6): “Eis que ouvimos que ela estava em Efrata. Nós a encontramos nos campos de Jaar”. Textos paralelos (1Cr 2.24,50) indicam que Efrata não era apenas outro nome de Belém (cf. Mq 5.2), mas também a designação de toda aquela região, incluindo Quiriate-Jearim, citada aqui como Jaar — essa é a forma singular de Jearim e significa floresta ou bosque. Com isso, o salmista relembra a busca pela arca a fim de conduzi-la a Jerusalém, capital de Israel depois de Davi assumir o trono unificado do País. Dessa forma, a adoração a Deus em um tabernáculo voltou a ser completa, motivo pelo qual as pessoas podiam dizer umas às outras (v.7): “Entremos no seu santuário, adoremos diante do estrado dos seus pés”. A motivação da oração era o desejo de jamais passar privação da presença de Deus.
O terceiro é o objetivo da oração (vv.8-10). A menção às palavras de Salomão (2Cr 6.41,42) evidencia o objetivo duplo da oração dos israelitas. A primeira parte do pedido tem a ver com o Templo como local de habitação de Deus entre os israelitas (v.8): “Ó Senhor, levanta-te para adentrar ao teu lugar de descanso, tu e tua arca poderosa”. A arca já estava no Templo desde que tais palavras foram ditas pela primeira vez, mas o povo canta sua intenção de ver isso se manter e seu agradecimento por finalmente poder honrar a Deus como ele merecia. Esse quadro, então, recebe a emolduração do devido serviço prestado ao Senhor no seu santuário, lembrando a responsabilidade que eles mesmos tinham (v.9): “Que os teus sacerdotes se vistam de justiça e que os teus fiéis se alegrem”. A segunda parte do pedido tem a ver com o rei da nação (v.10): “Por causa de Davi, teu servo, não rejeite a face do teu ungido”. Esse pedido, feito primeiramente por Salomão em favor de si, é repetido pelo povo dos seus dias e pelos peregrinos de outras épocas em favor da linhagem davídica. Essa oração visava à manutenção do reinado.
O quarto é a base da oração (vv.11,12). O escritor do salmo não toma como base o merecimento do rei em questão, mas a promessa de Deus feita ao rei Davi quanto à sua linhagem (2Sm 7.11-16). Ele relembra que a promessa de Deus é permanente e inevitavelmente será cumprida (v.11): “O Senhor fez uma promessa confiável a Davi e ele não desistirá dela: ‘Colocarei no teu trono um dos teus descendentes’”. O que foi traduzido como “um dos teus descendentes” quer dizer literalmente “um dentre o fruto da tua carne”, ou seja, de entre os filhos de Davi o Senhor escolheria um e o elevaria ao trono. Entretanto, se a perpetuidade da linhagem davídica no trono de Israel estava garantida pela promessa (2Sm 7.16), a obediência de cada rei era requerida para que não fossem temporalmente disciplinados (2Sm 7.14,15), nem houvesse ruptura na continuidade do reinado de geração em geração (v.12): “Se os teus filhos guardarem a minha aliança e eu lhes ensinar este meu estatuto, os filhos deles também se assentarão no teu trono perpetuamente”. Infelizmente, por não atender a isso, a linhagem de Davi deixou de se assentar no trono desde que Zedequias foi deposto e ferido (Mq 5.1 cf. 2Rs 25.7) e apenas retornará quando Jesus for elevado ao trono de Davi (Mq 5.2 cf. Lc 1.32).
O último aspecto é a esperança da oração (vv.13,18). Nem o escritor do salmo, nem os peregrinos que cantavam esse hino enquanto adoravam no Templo tinham suas esperanças restritas aos seus dias. Para eles, a predileção soberana de Deus por aquela cidade (v.13) era algo permanente dentro dos seus planos (v.14). Ainda que atravessassem períodos difíceis por causa da infidelidade do povo à aliança do Sinai, o final da história seria que Deus traria prosperidade a Israel (v.15), promoveria restauração à fidelidade e à alegria (v.16), enviaria seu ungido — o Messias prometido — que restauraria a casa de Davi (v.17) e traria julgamento das nações confirmando o trono sob a autoridade do rei divino (v.18). Ainda que tais bênçãos estivessem no futuro, eram motivos de alegria e esperança no presente.
Esse é o modelo da própria oração da igreja de Cristo. Somos chamados a orar (Fp 4.6; Cl 4.2), a tomar como motivação o desejo de não viver afastados de Deus (1Jo 2.15,16), a focar nossos clamores na manutenção do culto e no ministério dos líderes (Mt 18.20; Cl 4.3; Hb 13.7), a confiar nas promessas verdadeiras do Senhor (2Co 3.4; 2Tm 2.11) e a manter nossa esperança sempre apontada para o glorioso futuro prometido (2Tm 4.8; 2Pe 3.13). Se o mundo está se deteriorando e se tornando cada vez mais desonesto, a fidelidade do nosso Deus deve nos levar ao caminho oposto ao dos perdidos, criando em nós devoção, fidelidade, oração dependente e verdadeira confiança de ver todas as bênçãos prometidas por aquele que não mente, não morre e não muda.