Como as preocupações afetam os homens! Em alguns casos, elas são tão grandes que até causam doenças. Pior ainda quando alguém carrega, além das preocupações com as coisas primordiais, ansiedades decorrentes de trivialidades. Mas esse não era o caso do escritor do Salmo 127. Ele estava, sim, preocupado com certas coisas. Entretanto, suas preocupações não eram com coisas supérfluas, mas fundamentais para a vida de todo homem. Esse “cântico de romagem” vem com a designação autoral “de Salomão”. Por ser Salomão autor de Eclesiastes e da maior parte de Provérbios, o salmo também apresenta características da literatura de sabedoria, tendo um forte caráter didático. Esse tipo de literatura tem como recurso comum a observação de certas realidades da vida para, a partir delas, oferecer princípios de sabedoria e uma linha sábia de ação dos servos de Deus.
Nesse caso, a sabedoria oferecida por Salomão tem relação com as preocupações ligadas às necessidades mais básicas das pessoas. Não é de surpreender que os adoradores que iam a Jerusalém cantassem esse salmo, pois não iam até lá somente para adorar, mas para levar a Deus seus clamores ligados às ansiedades e sua gratidão pelo auxílio já prestado. Nesse contexto, as três preocupações básicas dos homens contidas no salmo são moradia, suprimento e família. O salmista não apresenta tais temas como metas a serem alcançadas pelas pessoas, mas como necessidade nas quais os servos de Deus dependem diretamente do Senhor. Como no livro de Provérbios, Salomão coloca a questão sob duas perspectivas, antepondo o que é “ruim” ao que é “bom”.
Assim, a primeira perspectiva apresentada pelo salmista é o que seria viver sem a bênção de Deus (vv.1,2). Para fazer os adoradores refletirem sobre seu relacionamento e sua dependência de Deus, Salomão introduz a primeira necessidade que gera preocupações: a casa. Esse conceito tem sido muito debatido dentro do salmo em questão, já que Salomão edificou a “casa de Deus”, ou seja, o Templo. Contudo, o assunto não parece ser o Templo, mas a casa particular das pessoas. A próxima dúvida é se é uma referência à casa como “local de habitação” ou como “família” — a primeira opção é preferível dada a citação de “construtores” e do paralelismo com uma a ideia de uma “cidade”. Além disso, o texto trata, a seu tempo, a questão familiar (vv.3-5). Assim, afirma Salomão (v.1a): “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham nela os seus construtores”. O que ele aponta é que, sem Deus, não importava quais seriam os esforços e habilidades dos homens: o trabalho não seria bem sucedido. A seguir, ele passa da visão de uma casa em particular para o agrupamento de muitas casas que formam uma cidade e diz (v.1b): “Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia o guarda”. Isso valia para qualquer cidade, incluindo Jerusalém. Não importava que ele mesmo tivesse reforçado a segurança da cidade investindo na expansão da muralha (1Rs 9.15). Ainda era Deus o responsável pela segurança da cidade e viver sem ele significava a falência de todas as edificações.
Outro vislumbre amargo do que seria viver sem Deus foi apresentado em conexão com outra necessidade que gerava preocupação nas pessoas: o alimento (v.2a): “Inútil para vós é levantar cedo, repousar tarde e comer pão obtido com cansaço”. Salomão olha para o trabalho árduo de muitos homens que começava cedinho e só terminava com a escuridão da noite a fim de suprir as necessidades de alimento da família. É claro que o próprio rei de Israel condenou a preguiça (Pv 6.6-11) e instruiu os homens a trabalharem para ter o que comer (Pv 10.4,5; 20.13). Ainda assim, isso não bastava, pois, se Deus não abençoasse o trabalho, o resultado seria negativo. Afinal, os homens podiam se esforçar ao trabalhar na terra, mas a chuva e a fertilidade vinham de Deus, sem o qual todo trabalho seria vão. Por isso, a segunda parte do versículo é contrastada à primeira. Enquanto na primeira parte os homens trabalham, na segunda parte a ação tem como agente uma pessoa apenas, já que o verbo se encontra no singular. Dado o versículo anterior, o agente em questão é o próprio Senhor, o qual providencia para seus servos aquilo que eles não podem garantir com seu esforço próprio (v.2b): “Ele faz provisão aos seus amados enquanto dormem”. Apesar de ser óbvio que, mesmo à noite, Deus comanda tudo que acontece na Terra, incluindo a mudança das estações, a chuva e o desenvolvimento dos produtos agrícolas, a ideia de agir enquanto os homens dormem visa a apontar a efetivação de resultados que o homem não pode produzir, seja dormindo, seja acordado. É Deus quem cuida o tempo todo dos servos, sem descanso nem intervalo, e viver sem suas bênçãos seria sofrer carência das necessidade mais básicas.
A segunda perspectiva é o que é viver com a bênção de Deus (vv.3-5). Se viver sem Deus seria terrível, viver com ele é o oposto. Para exemplificar essa verdade, o escritor lança mão de outra preocupação dos homens, principalmente dos homens do passado: a descendência familiar. Visto que especialmente no passado a infertilidade era vista como um tipo de maldição e motivo de vergonha e tristeza, a concessão de filhos era a demonstração da bênção divina (v.3): “Eis que herança do Senhor são os filhos. O fruto do ventre é uma recompensa”. A bênção de Deus por meio dos filhos é um assunto tão destacado nesse salmo que a tradição judaica o utilizava nas ocasiões de nascimentos. As razões para que a paternidade fértil fosse considerada bênção de Deus são apresentadas a seguir. A primeira é que os filhos eram o orgulho e a expansão de uma família (v.4): “Como flechas na mão de um guerreiro, assim são os filhos da juventude”. A ideia parece ser dupla: as flechas são o poder de um guerreiro e promovem o alcance do seu ataque — assim, os filhos engrandeciam um lar e expandiam o nome do seu pai. A segunda razão é que eles traziam alegria (v.5a): “Feliz é o homem que encheu deles a sua aljava”. Finalmente, os filhos eram auxiliadores dos seus progenitores (v.5b): “Ele não se acovardará quando debater com os inimigos na porta [da cidade]”. Se o pai precisasse de apoio, mesmo diante de outros homens, seus filhos o apoiariam. Quando o tempo chegasse e o pai não pudesse mais trabalhar, os filhos o sustentariam.
Assim, a bênção de Deus exemplificada na concessão da família devia ser notada por cada servo do Senhor. A conclusão era clara: viver sem Deus significava não poder garantir seu bem-estar ao passo que viver sob suas bênçãos era ser suprido bondosamente por ele.
Se a lição do salmo é a dependência que o servo tem de Deus, as aplicações práticas no culto eram duas: a oração e a gratidão, ambas desenvolvidas pelos adoradores peregrinos que iam a Jerusalém. Eis a razão de esse ser um “cântico de romagem”. Mas quem disse que isso é exclusividade do culto israelita? A igreja de Cristo compartilha a mesma realidade. Do mesmo modo que os judeus, somos completamente dependentes de Deus em nossas necessidades mais básicas. É Deus quem nos dá o que necessitamos no dia a dia (Mt 6.25-32) e é o Senhor quem concede bênçãos por meio de filhos que alegram, honram e suprem seus pais na velhice (Ef 6.1,2; 1Tm 5.4). Portanto, nós também temos de desenvolver não apenas a dependência de Deus, mas a oração (Mt 7.7-11; Fp 4.6) e a gratidão (Ef 5.20; Cl 3.17; 1Ts 5.18).
Portanto, ouça! Nas lutas diárias contra as necessidades e preocupações, lembre-se de como Pedro nos orientou a andar: “Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7). E no modo de viver diante de um Deus que tanto abençoa seus filhos, seja preocupado em obedecer e honrar àquele que nos ama, que morreu por nós e ensinou: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33). Essa, meu amigo, deve ser sua única preocupação!