O governador William Bradford fez seu primeiro discurso de ação de graças três anos após os peregrinos chegarem a Plymouth — local da primeira colônia americana formada por peregrinos vindos da Inglaterra no navio Mayflower, em 21 de dezembro de 1620. Ele disse: “Considerando que o grande Pai nos deu neste ano uma abundante colheita de milho, trigo, ervilhas, feijões, abóboras e hortaliças, que fez as florestas abundantes de caças e o mar, de peixes e mariscos, e considerando que ele nos protegeu dos danos dos selvagens, que nos poupou de pestes e de doenças e que nos concedeu a liberdade de adorar a Deus de acordo com os ditames de nossa própria consciência, agora eu, o magistrado, proclamo que todos os peregrinos, com suas esposas e seus pequeninos, devem se reuinir na casa da congregação, sobre a colina, entre 9 e 12 horas do dia, na quinta-feira, 29 de novembro de 1623, o terceiro ano desde que vós peregrinos desembarcaram em Pilgrim Rock, a fim de ouvir o pastor e render graças ao Deus Todo-poderoso por todas as suas bênçãos”.
A gratidão e moção dos peregrinos por causa da provisão divina eram semelhantes às dos israelitas dos dias em que o Salmo 126 foi composto. O tom de gratidão a Deus só se compara à alegria transbordante e difícil de expressar em palavras. Esse “cântico de romagem” não parece ter sido apenas entoado em uma festa, mas também composto na ocasião de uma delas, possivelmente aquela que comemorava a colheita. A alegria coletiva do salmo se dá após um período muito duro de sofrimento. Suas circunstâncias são difíceis de definir e sugestões como exílio, cerco militar, peste e seca são sugeridos. Independente de qual tenha sido o fator que produziu dor em Israel, parte dessa dor certamente veio por meio da escassez de alimentos e da fome. Há quem proponha se tratar da infertilidade agrícola dos dias de Ageu e Zacarias devido à infidelidade do povo em reconstruir o Templo (Ag 1.5,6).
Apesar desse sofrimento, o salmo está comemorando exatamente o oposto, o que ocorreu depois da fome: a fartura da colheita. Se essa era uma razão anual de alegria para os israelitas, já que dependiam da agricultura para sobreviver, nessa ocasião, quando se deu a mudança de estado de carência para o de abastança, era ainda maior. Assim, não só os homens daqueles dias, mas também os peregrinos de tempos posteriores cantavam e agradeciam a Deus pelo sustento concedido por sua bondade. O salmista, ao escrever seu cântico, sente uma alegria intensa que tem duas motivações, as quais marcam as motivações da alegria verdadeira de todos aqueles que conhecem e esperam no Senhor.
A primeira motivação da alegria dos crentes é a generosidade de Deus que já foi desfrutada (vv.1-3). Aqui, o olhar está apontado para o passado. A situação inicial, antes da alegria, era extremamente dura. Dura a ponto de eles não verem mais saída para o problema. Por isso, quando Deus agiu beneficamente para com eles e transformou a situação, era como se o que era inacreditável, algo como um “sonho”, tivesse ocorrido (v.1): “Quando o Senhor restaurou a sorte de Sião, nós ficamos como aqueles que sonham”. Ao dizer que a “sorte de Sião” foi restaurada, ele não diz de que modo isso foi feito, mas, a julgar pelo desenvolvimento do salmo, Deus lhes restaurou as tão necessárias colheitas (vv.5,6). Seja trazendo de volta do cativeiro, afastando um inimigo que os impedia de trabalhar na lavoura ou produzindo chuva e fertilidade que estavam ausentes, o fato é que Deus agiu e eles finalmente tinham o que comer e o que oferecer como gratidão em Jerusalém — e por isso cantavam.
O canto que erguiam, longe de ter acordes e entonações lúgubres, era rejubilante, pois eles mesmos rejubilavam por sua condição (v.2a): “Então, nossa boca se encheu de riso e a nossa língua, de júbilo”. Essa alegria levou pessoas de toda parte a reconhecer a bondade do Senhor para com seu povo. As nações reconheceram isso (v.2b): “Desse modo, é dito entre as nações: o Senhor agiu generosamente com eles”. E os próprios israelitas o reconheceram (v.3a): “O Senhor agiu generosamente conosco”. Assim, olhando para o passado, era fácil para aqueles homens se alegrarem de modo real com base na graça de Deus que cuidou deles e lhes proveu o necessário. Eles nem tinham como esquecer que Deus, ao agir generosamente, lhes concedeu uma alegria transbordante (v.3b): “Nós ficamos felizes”.
A segunda motivação da alegria dos crentes é a generosidade de Deus que ainda será desfrutada (vv.4-6). Aqui, o olhar está apontado para o futuro. Essa seção não está desatrelada daquilo que Deus havia feito por eles no passado recente, nem da condição presente de fartura e alegria — os vv.5,6 são ditos como máximas que se aplicam a qualquer ocasião e que refletem o que eles haviam experimentado. Entretanto, o trecho é introduzido por uma oração, o que certamente aponta nossos olhos para o futuro na esperança de ver o clamor atendido por Deus. Assim, diz o salmista (v.4): “Restaura a nossa sorte, ó Senhor, como os leitos de rios no Neguebe”. A sorte deles já havia sido restaurada (v.1), mas de nada adiantava isso ocorrer apenas uma vez. A cada ano seria necessária a bênção de Deus para que novas colheitas enchessem seus celeiros e alimentassem suas famílias. Por isso, o pedido é para que o Senhor continue sendo generoso. Quanto aos israelitas, eram como os leitos secos dos rios do Neguebe — região montanhosa ao sul de Israel marcada pela seca. As chuvas naquela terra são pouco frequentes e seus rios intermitentes passam a maior parte do tempo secos. Entretanto, quando a chuva cai, torrentes de águas correm velozmente pelos leitos antes secos dos seus rios. Do mesmo modo, Israel era completamente dependente do Senhor para ter alimento: se Deus generosamente continuasse a lhes dar chuva e fertilidade, eles seriam renovados e fartos, assim como o deserto, quando lhe cai a chuva.
A bondade de Deus não era vista de forma isolada da responsabilidade que eles mesmos tinham de trabalhar pelo sustento. Entretanto, com a ajuda do Senhor eles não apenas teriam forças para fazê-lo, como obteriam o resultado que almejavam (v.5): “Aqueles que semeiam com lágrimas, colherão com júbilo”. O trabalho era árduo e os receios de insucesso, preocupantes, tudo isso a ponto de lhes fazer chorar. Mas a esperança que tinham na bondade de Deus e na fidelidade de suas promessas os fazia antever o resultado na forma de uma colheita que certamente lhes traria júbilo. A última frase do salmo diz a mesma coisa de maneira mais vívida (v.6): “Aquele que vai andando e chorando, carregando uma sacola de sementes, tornará a vir com júbilo, carregando os seus feixes”. Aqui, o trabalho é destacado na ação de “carregar”. Em agonia, eles carregavam pelo campo pesados fardos de sementes a fim de lançá-las à terra. O uso do gerúndio — “andando”, “chorando”, “carregando” — serve para demonstrar que o trabalho era longo e cansativo. Porém, eles estavam certos de que trariam sua colheita, seus feixes amarrados, para casa e também para as festas em Jerusalém. Se isso já foi motivo de alegria, ainda o seria muitas vezes — essa era a confiança deles em Deus. E a generosidade que aguardavam do Senhor, no futuro, era razão mais que suficiente para se alegrarem de modo real no presente.
A igreja de Deus está, hoje, espalhada por todo o mundo, incluindo áreas rurais cujo sustento vem da lavoura e depende da chuva e da fertilidade da produção. Entretanto, não são apenas tais irmãos que têm condições de conhecer a alegria que o escritor expressa nesse salmo. Todos os crentes têm motivos para rejubilar do mesmo modo. Primeiro, porque todos nós já experimentamos a generosidade de Deus, seja na salvação gratuita de pecados, na conversão de familiares e amigos, na provisão das necessidades diárias, na proteção de perigos diversos e na atuação do Espírito Santo conduzindo, ensinando e consolando. Ao olharmos para trás, como não nos alegrar por sermos filhos amados do Pai celestial? Por outro lado, a nós foram feitas promessas que elevam nossos olhos para os céus e para o futuro, antevendo a glorificação dos nossos corpos, o encontro com o Senhor e com todos os irmãos que já partiram e os que jamais conhecemos, o alívio de todas as tristezas e dores e a vida eterna na presença do nosso Deus. Isso é razão não apenas para sentirmos alegria, mas para exultarmos com uma felicidade verdadeira e transbordante. Por isso mesmo, como os peregrinos de Plymouth, devemos nos reunir e celebrar com ações de graças toda a generosidade de Deus para conosco!