O escritor e crítico social norte-americano Sinclair Lewis (1885-1951), prêmio Nobel de Literatura de 1930, contou que, certa vez, cruzando o Atlântico, viu uma senhora no deque do navio lendo seu último livro. Essa obra estava causando discussões acaloradas por toda parte. A julgar pelo número de páginas que a mulher já tinha lido, ele imaginou que ela já estivesse perto da parte mais chocante da obra, justamente aquela que vinha causando maior perturbação entre os leitores em geral. Sendo assim, Lewis ficou aguardando para ver qual seria a reação daquela senhora. Quase na mesma hora, ela se levantou, andou a passos firmes até o parapeito do convés e atirou longe o livro para dentro do oceano.
Para dizer a verdade, ao ler essa história me veio à mente a reação das pessoas de hoje diante das Escrituras. Ainda que nem todos atirem longe exemplares da Bíblia, na prática é isso que fazem. Ignoram-na por completo, rejeitando sua fonte, veracidade e aplicação. O escritor do Salmo 119 jamais faria algo assim. Ele tem uma visão realmente elevada da Palavra de Deus.
Esse é o maior dos salmos em termos de tamanho. Na verdade, é o capítulo mais longo da Bíblia. Seus 176 versículos estão dispostos em 22 estrofes com oito versos cada. Em cada uma dessas estrofes, todos os oito versos começam com a mesma letra, seguindo a ordem alfabética da língua hebraica. Assim, os vv.1-8 são iniciados com a letra aleph, os vv.9-16 com a letra beit e assim por diante, até chegar na última letra do alfabeto hebraico, a letra taw (vv.169-176). Entretanto, apesar de tantos versículos, o assunto central de todos eles é o mesmo: as Escrituras. Várias palavras com sentidos teológicos sinônimos são utilizadas como “lei”, “testemunhos”, “caminho”, “preceitos”, “mandamentos”, “juízos”, “decretos”, “palavra” “mandato” e “condutas”.
Todo esse trabalho se prestou a demonstrar que, para o salmista, as Escrituras tinham um valor prático enorme. Ao lermos essa longa poesia, percebemos que pelo menos cinco benefícios são oferecidos àqueles que aprendem o que o Senhor ensinou por meio da Bíblia. Nossa intenção não é tratar cada versículo, mas mostrar, em linhas gerais, os pensamentos que dirigem o salmo e que apontam os benefícios de aprender e atender as palavras de Deus.
Assim, o primeiro benefício é o conhecimento útil. A Palavra de Deus é alvo do estudo e da reflexão do salmista (v.15): “Que eu medite nos teus preceitos e que preste atenção aos teus caminhos”. Parece que, nesse sentido, ele vê a Palavra de Deus como algo “útil” por meio do que nos faz conhecer, educando-nos diante do professor divino, assim como também via o apóstolo Paulo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). O escritor do salmo também percebe que o ensino do Senhor ajuda o homem que o aprende a se afastar do mal (v.104): “Eu obtenho entendimento a partir dos teus preceitos, de modo que eu odeio toda conduta enganosa”. A utilidade desse benefício é tão grande que o salmista fez o conhecimento das Escrituras se tornar alvo das suas orações e um objetivo a ser perseguido com afinco (v.125): “Eu sou teu servo. Dá-me, [pois] entendimento para que eu conheça os teus testemunhos”.
O segundo benefício é a santificação da vida. A Palavra de Deus não transmite um conhecimento inerte e meramente teórico. Ela conduz aquele que a busca a uma vida diferente. Quando buscada com seriedade, ela produz pureza no servo ao apontar o que é moralmente correto e o que é injusto segundo os padrões de Deus (v.9): “Como um jovem purificará a sua conduta? Por meio da vigilância de acordo com a tua palavra”. Desse modo, o estudo e a retenção da mensagem bíblica se revelam ferramentas incomparáveis na busca da comunhão com Deus pelo afastamento do pecado. Essa era uma ferramenta que o próprio salmista utilizava (v.11) “Eu armazenei no meu coração o teu mandato com o objetivo de não pecar contra ti”. Essa ideia de “armazenar” ou “entesourar” aponta para os fatos de que não há conhecimento bíblico que baste e de que há necessidade de uma busca constante, não apenas para saber mais, mas para ser diariamente alimentado com ela a fim de que o servo de Deus não se desvie do bem. Na verdade, quem se apega aos ensinos de Deus passa a rejeitar as coisas ruins (v.163): “Eu odeio e detesto a mentira, [mas] amo a tua lei”. Conforme ensina o Salmo 1, esse servo começa a se afastar da companhia e da influência dos ímpios (v.158): “Eu vi os infiéis e senti repugnância, pois eles não seguem o teu ensino”.
O terceiro benefício é a felicidade verdadeira. A justiça de Deus expressa nas Escrituras era a razão de alegria para o escritor (v.47): “Eu me deleito nos teus mandamentos, os quais eu amo”. Esse deleite se deve aos efeitos positivos que a Palavra de Deus causava ao guardá-lo dos caminhos destrutivos do pecado. Para esse fim, ela fornece a verdadeira sabedoria — não aquela enaltecida pelo mundo e que tem suas fontes no orgulho e no egoísmo, mas aquela da perspectiva de Deus (v.98a): “O teu mandamento me torna mais sábio que os meus inimigos”. Essa sabedoria é também associada ao afastamento dos maus caminhos que, obviamente, causam sofrimento (v.101): “Eu desvio meus pés de todo mal caminho porque guardo a tua palavra”. Além de evitar danos que levam à tristeza e à perda da paz, a revelação de Deus produz verdadeira felicidade ao fornecer ao homem a esperança de um futuro pleno de alegria junto ao Senhor por meios das suas promessas (v.162): “Eu exulto por causa da tua promessa como quem acha muitos despojos”.
O quarto é a confiança no Senhor. A situação desse salmista não era fácil. Ele tinha muitos inimigos que o caluniavam, mesmo sendo ele alguém que buscava seguir o ensino bíblico (v.69): “Os presunçosos urdem enganos contra mim, [enquanto] eu guardo de todo coração os teus preceitos”. Ele passou por um risco iminente de ser abatido, razão pela qual se viu necessitado de buscar o auxílio divino (vv.86b,87a): “Eles me perseguem injustamente. Ajuda-me! Eles quase me aniquilaram na terra”. Entretanto, apesar da ferocidade e periculosidade desses ataques, o salmista continuou andando firme, guiado pela Palavra de Deus (v.87b): “Mas eu não abandono os teus preceitos”. É notável ver como ele equilibra o sofrimento com os ensinos do Senhor para permanecer de pé (v.81): “A minha alma desfalece enquanto espero teu livramento, [contudo] ponho minha esperança na tua palavra”. Por fim, as verdades sobre Deus, sobre seu amor e sobre suas promessas eram o consolo real para quem sofria duramente (v.50): “O meu conforto na minha angústia é isto: que a tua palavra me restaura”.
O último benefício é a devoção reverente. O louvor e a adoração ao Senhor estão diretamente ligados à contemplação de Deus por meio do que ele revelou ao homem (v.7): “Eu te exaltarei com coração sincero ao aprender teus retos juízos”. Isso acontece porque a perfeição de Deus se deixa ver na perfeição da revelação (v.96): “Eu vi que para toda perfeição há um fim, [mas] o teu mandamento se dilata infinitamente”. Portanto, o salmista se dedica a louvar o Senhor por tudo que aprendeu sobre ele (v.171): “Meus lábios transbordam de louvor, pois tu me ensinas os teus decretos”. Tal conhecimento é a alavanca indispensável para que o homem cumpra seu propósito de glorificar o criador eterno e soberano (v.175): “Que a minha alma viva e te louve; e que os teus juízos me ajudem”.
E então? Vamos nos submeter aos ensinos do Senhor, ou vamos dar ouvidos ao mundo perdido? Vamos valorizar aquilo que é justo, reto e verdadeiro, ou vamos nos enamorar dos valores corrompidos da iniquidade? Vamos investir tempo e esforço na leitura, compreensão e aplicação da Palavra de Deus, ou perder nosso precioso tempo com literaturas e programações inúteis e até destrutivas? Que o apreço do salmista pela revelação santa e justa de Deus nos motive a responder positivamente com nossas vidas a cada um desses questionamentos. E que, ao final, possamos dizer a Deus de todo coração e por experiência própria (v.86a): “Todos os teus mandamentos são verdadeiros”.