Dr. Alexander Whyte (1836-1921), de Edimburgo, era famoso por suas orações feitas no púlpito da igreja. Ele sempre encontrava um meio de agradecer a Deus por algo bom que estivesse fazendo àquela igreja e àqueles irmãos. Em uma manhã quando uma forte tempestade se abatia sobre a cidade, um membro da sua igreja pensou: “O pregador não terá nada a agradecer a Deus em uma manhã miserável como essa”. Entretanto, o Dr. Whyte iniciou a oração desse modo: “Nós te agradecemos, ó Deus, porque não é sempre que está assim”.
Esse impulso de Alexander Whyte por agradecer a Deus por seus feitos e por sua bondade é compartilhado pelo escritor do Salmo 118. Ele, que, com Israel, atravessou momentos de crise, oferece a Deus um agradecimento enfático que, por meio de várias repetições, torna-se fonte de instrução para outros adoradores. Como o salmo não apresenta uma ideia claramente linear e alguns detalhes ficam subentendidos, não é fácil notar o fator de ligação de todo o texto. E as citações de alguns versículos no Novo Testamento — principalmente o v.22 —, não tornam a tarefa mais fácil. Porém, o próprio salmista nos ajuda a entender seu contexto a fim de compreendermos o que ele tinha em mente ao render a Deus sua gratidão.
O escritor parece ter sido o próprio rei de Israel — ou de Judá, caso a composição tenha tido lugar na época do reino dividido, após 931 a.C. —, visto que ele se apresenta como o comandante militar ao falar três vezes que derrotou os inimigos (vv.10,11,12): “Mas, em nome do Senhor eu os eliminei”. Esse ataque parece ter vindo de uma conflagração multinacional (v.10): “Todas as nações me cercaram”. O salmista interpretou o aperto pelo qual os israelitas passaram como um juízo de Deus por pecados que eles tenham cometido (v.18a): “O Senhor me disciplinou severamente”. Contudo, essa disciplina parece ter sido para correção, pois ele diz na sequência (v.18b): “Porém, ele não me entregou à morte”. Isso se deu porque Deus preservou o rei e a nação, motivo pelo qual o salmo de agradecimento foi composto (v.21): “Eu te renderei graças, pois me atendeste e te tornaste a minha salvação. Dentro desse quadro maior, o salmista oferece cinco verdades sobre a pessoa de Deus no relacionamento com seus servos.
A primeira verdade é que Deus é amoroso e fiel para com seus servos (vv.1-4). O salmo começa com um chamado público (v.1): “Rendei graças ao Senhor, pois ele é bondoso”. É óbvio que uma atuação benéfica aos israelitas havia sido efetivada por Deus. Entretanto, o escritor vai além dessa observação superficial dos fatos. Ele, guiado pela recordação das promessas de Deus, oferece a razão pela qual o Senhor lhes foi bondoso, repetindo-a cinco vezes (vv.1,2,3,4,29): “Pois sua lealdade permanece para sempre”. A palavra hebraica hesed – aqui traduzida como lealdade –, tem muitos significados como graça, bondade, misericórdia e amor. Entretanto, quando dentro do contexto do trato do Senhor com Israel segundo as alianças que lhes fez, principalmente no que tange às promessas a Abraão (Gn 12,13,15) e a Davi (1Sm 7), ela assume um significado mais específico que envolve “amor” pelos servos e “fidelidade” ao que lhes prometeu. Assim, “amor leal” ou “lealdade” são conceitos a serem destacados nessa ênfase repetitiva oferecida pelo salmista. Ele agradece a Deus por não desistir do seu povo, nem das promessas que lhe fez.
A segunda verdade é que Deus é o alvo da confiança dos seus (vv.5-9). O salmo foi escrito depois de um tempo de perigo. Mas, apesar do aperto, seus servos não viram razão para desconfiar que o Senhor lhes ouviria a oração (v.5): “Em meio ao aperto, eu clamei ao Senhor. O Senhor me atendeu com a largura”. Cabe aqui uma explicação sobre essa “largura” ou “lugar espaçoso”. Essa palavra está colocada na frase em anteposição ao “aperto”, ou “perigo” do início da frase, evidenciando que o Senhor reverteu exatamente o que lhes causava sofrimento. É como se estivessem apertados em um cubículo e Deus lhes tirasse dali e os colocasse em um lugar onde a última coisa que sentissem fosse aperto. Por isso, a conclusão é que Deus se faz próximo dos seus (vv.6a,7a): “O Senhor está a meu favor”. Isso gerou no salmista uma confiança verdadeira cujo efeito se fazia sentir de modo prático em sua vida (v.6b): “Eu não terei medo. O que os homens poderão fazer a mim?”. Por isso, olhando para o poder dos exércitos e dos seus príncipes e para sua capacidade de promover uma proteção e refúgio contra o perigo, conclui-se (vv.8a,9a) que “é melhor se refugiar no Senhor”.
A terceira é que Deus é capaz de reverter as piores situações (vv.10-17). Uma hipérbole entra em ação para descrever as circunstâncias difíceis daqueles dias (v.10): “Todas as nações me cercaram”. Não quer dizer que cada nação do mundo tenha se unido para atacar Israel, mas que “várias” nações se ajuntaram formando um poder considerável. O termo “todas” cumpre uma figura hiperbólica que visa a enfatizar o drama do sofrimento que eles atravessaram (v.11a): “Eles me cercaram por todos os lados”. Os exércitos eram numerosos e perigosos (v.12a): “Eles me cercaram como abelhas”. É uma situação complicada cujo desfecho dificilmente poderia ser favorável. Porém, contra a lógica humana, o salmista afirma (vv.10b,11b,12b): “Mas em nome do Senhor eu os eliminei”. Apesar de a ação de repelir os inimigos seja creditada ao rei, ao dizer que o fez “em nome do Senhor” revela-se a fonte verdadeira da vitória: a ação do Deus soberano. O mesmo é dito de modo mais claro a fim de render ao Senhor o resultado da vitória (v.13): “Eles me empurraram com força para eu cair, mas o Senhor me protegeu”. Diante disso, o escritor enfatiza a razão de Israel ainda estar de pé quando tudo indicava que o resultado seria outro (vv.15b,16b): “A destra do Senhor faz proezas”. E essa proeza foi fazer seu servo permanecer na pior situação que ele já havia atravessado (v.17).
A quarta verdade é que Deus é sábio ao guiar a história (vv.18-24). O salmista não fala apenas de libertação, mas também de punição. Segundo ele, o que Israel passou não se devia às vicissitudes da vida, mas à disciplina de Deus (v.18a): “O Senhor me disciplinou severamente”. Contudo, a sequência do texto expõe o propósito divino sábio de tratar seu povo sem o deixar perecer. Tais propósitos também se mostram sábios na promoção da justiça (vv.19,20). Nesse texto – e em diversos outros salmos –, a palavra “justiça” não tem apenas caráter moral, mas um sentido nacional de libertação no qual os inimigos são descritos como injustos e o fazer justiça significa Deus livrar seus servos das mãos dos adversários. Entretanto, é claro que o Senhor, ao reverter o quadro duro do v.18, atingiu seu objetivo e mostrou guiar os rumos da história de modo sábio e justo, motivo pelo qual é louvado (v.21). Por isso, ainda que Israel estivesse em uma situação em que fosse considerado uma pedra inútil a ser descartada, ou seja, prestes a ser destruído (v.22), Deus fez algo maravilhoso ao reconduzi-los à sua condição original (vv.23,24). O fato de o Novo Testamento aplicar o v.22 a Jesus (Mt 21.42; At 4.11; Ef 2.20) mostra que Deus é sábio e poderoso tanto para fazer Israel ser poupado diante de nações maiores como para fazer aquele que era visto como um simples e pobre carpinteiro ser glorificado como rei e salvador.
A última verdade é que Deus reserva uma salvação ainda maior (vv.25-29). Mesmo agradecendo por uma libertação já efetivada, o salmista clama por uma salvação mais ampla e definitiva (v.25): “Nós te pedimos, ó Senhor: ‘Salva-nos, por favor!’” — a palavra “hosana” (Jo 12.13) é a proclamação desse pedido: “Salva-nos, por favor!”. Se não fica claro no v.25 que tipo de salvação ele tem em mente, no texto seguinte surge a figura de uma libertação orquestrada por alguém que virá da parte de Deus (v.26a): “Bendito é o que vem em nome do Senhor!”. Parece que tanto o salmista como os judeus em geral tinham a esperança da chegada de um rei eterno (Mq 5.2) que promoveria restauração plena para Israel (Mq 5.3,4) e para o mundo (Mq 4.1-4). Por isso, quando Jesus chegou a Jerusalém, esse foi um dos dizeres bradados pelos israelitas quando ele passava montado em um jumentinho (Mt 21.9). Isso eles fizeram enquanto dispunham ramos pelo caminho, cumprindo, assim, outro chamado do salmista (v.27). Ao olhar para o futuro e vislumbrar a redenção plena — nacional e espiritual —, o escritor do salmo bendiz a lealdade de Deus (v.29), mas não sem antes afirmar enfaticamente seu relacionamento pessoal com seu salvador (v.28): “Tu és meu Deus” e “ó Deus meu”.
Como não agradecer a Deus por ser tudo que é? Na verdade, por ser tudo que é especialmente “para nós”, que fomos salvos gratuitamente pelo seu amor leal por meio da fé no Senhor Jesus. Sendo assim, nos cumpre aprender as sábias lições de Deus, manter dependência do seu poder por meio da oração e aguardar com plena gratidão o dia glorioso em que, vindo novamente Jesus, digamos todos: “Bendito é o que vem em nome do Senhor!”.