“Eis que tornarei você pequeno dentre os povos. Você será extremamente desprezado!" (Obadias 2).
Esse versículo tem uma dificuldade de tradução, nem tanto pelas palavras em si, mas pelo modo com que está construído. A questão não é traduzir a frase, mas entender a que o autor se refere e que tipo de linguagem ele usou. Apesar de a construção do texto hebraico usar os verbos no tempo passado, trata-se do que é chamado como “tempo perfeito profético”, que narra uma ação futura do ponto de vista de quem já a viu ocorrer. Portanto, essas palavras não descrevem algo que Deus já havia feito a Edom, mas o que viria a fazer em cumprimento de suas predições punitivas. Esse recurso literário é frequentemente usado quando se quer expressar a certeza de que tal destino realmente ocorrerá, de modo que pode ser contado como algo tão certo quanto eventos já sucedidos. Desse modo, Deus começa a descrever aqui o resultado da sua condução de outras nações que trariam a guerra a Edom (v.1). Essa descrição segue uma sequência até o versículo 4, recebendo detalhes adicionais entre os versículos 5 a 9. A sentença final, presente no versículo 10, é que tal povo seria “exterminado para sempre”, ou “exterminado de uma vez por todas”.
A primeira parte do versículo 2 diz: “Eis que tornarei você pequeno dentre os povos”. Isso não quer dizer que Edom fosse um grande e influente país, mas a julgar pelo modo que os edomitas agiram em parceria com a nação invasora de Israel (v.11), é possível perceber que havia bons contatos com nações mais fortes, conferindo força até ao menor integrante dessa aliança multinacional. Entretanto, o que o texto subsequente enfatiza não é o lugar ocupado por Edom entre as nações, mas o lugar que esse povo considerava ter, pois sua arrogância e prepotência são alvos da reprovação divina logo a seguir. Assim, tiradas as pilastras da sua confiança, dentre elas seus aliados militares, os edomitas passariam a ser um povo “pequeno” no sentido de uma diminuição drástica no número dos seus habitantes na guerra.[1] Deus usaria o motivo da confiança da grandeza de Edom para fazê-lo sentir a condição oposta e, como consequência, envergonhar sua prepotência, especialmente demonstrada na falta de temor ao tratar Israel de maneira tão cruel em tempos calamitosos. Por isso, por mais que Edom tivesse uma ideia elevada acerca de si, sua última condição é descrita na previsão de que “você será extremamente desprezado!”.
Nesse sentido, a prepotência de Edom, reprovada por Deus, não é algo típico apenas dos descendentes de Esaú. Antes deles, havia também, dentre os leitores de Salomão, aqueles que precisavam ser ensinados de que “a soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda” (Pv 16.18) e que “procurar a própria honra não é honra” (Pv 25.27). À igreja cristã, o apóstolo Paulo disse: “Digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3). O fato é que olhar para si com olhos positivos além da normalidade e até da própria realidade é uma marca do ser humano pecador. As pessoas, costumeiramente, alistam suas qualidades deixando de lado seus defeitos, com a mesma facilidade com que isolam os defeitos dos outros sem lhes computar as qualidades, tudo isso com a intenção de se convencer de que seu valor pessoal está acima dos demais. Entretanto, o Senhor não vê essa prática com bons olhos, pois as Escrituras dizem que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6).
Assim, o primeiro mal que um servo de Deus pode fazer nesse campo é imaginar qualidades que não possui, agindo não apenas sem moderação, mas com mentira e engano — algo que, ironicamente, é percebido por quase todas as pessoas ao seu redor. Outro mal é olhar pra qualidades realmente presentes em sua vida e ignorar a atuação de Deus em sua vida concedendo tais qualidades, não por mérito humano, mas por pura graça divina, pelo que Paulo repreende a igreja de Corinto, dizendo: “Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1Co 4.7). Portanto, saibamos olhar para nossos erros e pecados com honestidade e com um coração arrependido que busca perdão e correção, não confiando em nossa pretensa força, habilidades pessoais ou valor próprio, mas contando com a graça do nosso Senhor e com a atuação do Espírito Santo a fim de nos capacitar. Caso contrário, corremos o risco de Deus também nos dizer: “Você será extremamente desprezado!”