Um artista, certa vez, pintou um quadro muito interessante. Tratava-se de uma cena noturna na qual um homem solitário remava uma pequena canoa no meio de um lago. O vento era forte e ondas atingiam a frágil embarcação sem parcimônia. Não havia nada visível no céu com exceção de uma única estrela solitária que brilhava em meio à escuridão temível. O viajante mantinha seus olhos fixos na estrela e continuava seguindo em frente. Ele prosseguia firme, sem parar, no meio da noite tempestuosa. Abaixo da figura do homem guiado por uma única estrela estava escrito: “Se eu a perder de vista, estou perdido”.
O Salmo 121 foi escrito por alguém que também olhava fixo para sua única esperança. Porém, em vez de sua segurança vir de uma estrela, o refúgio visualizado por ele era o Deus criador de tudo que existe. Esse também é um “cântico de degraus” ou um “cântico para a romagem” (shîr lamm‘alôt). Se o salmo anterior vislumbrava os peregrinos em suas habitações no exílio em meio às hostilidades do mundo, este salmo parece colocá-los no momento da saída de seus lares a fim de seguir sua jornada até Jerusalém. Em certo sentido, esse era um momento alegre. Mas também era uma ocasião de preocupação e aflição, pois esses viajantes teriam de deixar seus lares desprotegidos e suas preciosas famílias, além do seu patrimônio. O perigo de sair de casa não era somente para quem ficava, mas também para os viajantes, pelo que o salmista busca proteção no Senhor e põe nele sua confiança desde sua saída até seu retorno (v.7), atravessando os muitos perigos da sua jornada morro acima até Jerusalém (v.1). Não é sem motivo que Deus é chamado várias vezes de “guarda” ou “protetor”. Por isso, o salmo apresenta quatro fontes de esperança do salmista na proteção efetiva de Deus em uma situação em que ele tinha medo e falta de paz.
A primeira fonte de esperança do salmista é a capacidade do protetor (vv.1,2). O salmo inicia com a perturbação do escritor ao se ver necessitado de proteção (v.1): “Eu elevo os meus olhos para os montes [e digo]: ‘De onde virá o meu socorro?’”. A função desses “montes” na frase é um pouco enigmática. Pode ser que o salmista esteja procurando nos montes quem lhe possa socorrer. Nesse caso, o conceito do Deus Todo-poderoso viria como resposta, principalmente porque a palavra shadday, de sentido misterioso, tem sido associada à palavra acadiana sadu, cujo significado é “montanha”. Assim, o Deus poderoso que vem do alto, de cima dos montes, seria o que o salmista busca com sua visão para cima.
Entretanto, a preocupação do salmista parece vir justamente em decorrência do seu olhar para os montes. Nesse caso, isso poderia significar que ele, preparando-se para seguir a Jerusalém, subindo os montes que levam até lá, antevia os riscos que enfrentaria, tanto ao deixar seu lar como ao se aventurar em caminhos perigosos. As estradas por onde ele passaria eram visadas por ladrões por causa da passagem dos peregrinos e da geografia que lhes fornecia inúmeros esconderijos e locais para emboscadas. O salmista se vê impotente para chegar ao seu destino em segurança por seus meios próprios, de modo que busca por um protetor. A resposta é inequívoca e imediata: (v.2): “O meu socorro vem do Senhor que fez os céus e a Terra”. Ele poderia associar Deus, como protetor, a qualquer de seus feitos. Mas o associa ao ato da criação, relembrando a capacidade do Senhor de fazer tudo que quiser, sem quaisquer limites ou dificuldades. Esse era o seu protetor: o Deus onipotente e soberano, o ’el shadday.
A segunda fonte de esperança do salmista é a constância do protetor (vv.3,4). Por se tratar de uma viagem longa e cansativa, além de muito arriscada, o clamor dos peregrinos ao Deus de Israel era (v.3a): “Que ele não deixe que teus pés tropecem”. A partir desse momento, o salmista se dirige a alguém usando pronomes da segunda pessoa singular. Desse modo, ou ele está respondendo a si mesmo, a respeito dos seus temores, como se a resposta viesse de outro, ou está dizendo as razões da sua fé a outros viajantes que, como ele, sentiam as mesmas inseguranças. De qualquer modo, o pedido para que seus pés não tropeçassem não era suficiente, pois a preocupação preenchia o longo e demorado percurso. A ideia de perder a proteção divina em algum ponto da estrada era amedrontadora. Por isso, comparando o Senhor a uma sentinela, o pedido é que sua proteção fosse constante, não intermitente como acontece a guardas humanos que têm de repousar (v.3b): “Que não cochile aquele que te guarda”. Apesar dos temores, a conclusão é oferecida prontamente, sem qualquer desconfiança a respeito da atenção e cuidado constantes de Deus pelos seus, em uma afirmação categórica que torna sem sentido os medos do versículo anterior (v.4): “Por certo o guarda de Israel não cochila nem dorme”.
A terceira fonte de esperança é o cuidado do protetor (vv.5-7). Outro temor seria: “Será que Deus me protegerá em tudo com real cuidado ou apenas me tratará como um dentre milhares?”. A resposta que tranquilizava tais viajantes era o caráter do protetor (v.5a): “O Senhor é quem te guarda”. Mesmo sendo uma resposta simples, ela não é simplória, pois traz à memória tudo que Deus já havia feito por seu povo e com que cuidado os mantinha. A convicção de uma atuação próxima e personalizada encorajava os peregrinos. Eles sabiam que o Senhor os acompanharia como se fosse suas próprias sombras, lado a lado em toda jornada (v.5b): “O Senhor é a tua sombra junto à tua mão direita”. O cuidado se daria em todos os sentidos (v.6): “O Sol não te fará dano durante o dia, nem a Lua durante a noite”. Os danos do Sol, como insolação e queimaduras, são conhecidos de nós, mas os danos da Lua não. Algumas pessoas interpretam tais danos como problemas de ordem psiquiátrica que, no passado, eram associados às fases da Lua. Mas isso não é provável. É mais plausível que o salmista esteja citando o Sol e a Lua como figuras do dia e da noite, transmitindo que o cuidado de Deus era tão intenso que ele os livraria dos perigos do dia e da noite. Ele diz o mesmo, a seguir, de maneira mais clara (v.7): “O Senhor te guardará de todo mal. Ele guardará a tua alma”.
A última fonte de esperança do salmista é a companhia do protetor (v.8). Na era dos carros, trens e aviões, uma preocupação que não conhecemos é a de fazer uma viagem que dure obrigatoriamente semanas ou até meses. Mas na época do salmista, essa era uma realidade constante. Além disso, o paganismo impregnava a mente das pessoas com a ideia de uma geografia dos deuses, ou seja, o lugar de habitação e de atuação de cada deus. Viajar para longe podia significar, na mente do homem antigo, ir para longe da presença e da proteção do seu deus. Mas o salmista, conhecedor das Escrituras, conhece quem é o Deus único e verdadeiro e sabe que ele não se limita geograficamente. Por isso, ele podia afirmar com toda a segurança (v.8a): “O Senhor guardará a tua saída e a tua vinda”. Ele está se referindo ao percurso total da sua jornada, desde a “saída” de casa, até sua “vinda” ao lar, retornando aos seus. Em todo o percurso Deus o acompanharia e lhe traria de volta a salvo. E essa esperança não tinha data de validade ou prazo de expiração, pois, segundo diz (v.8b), Deus faz isso com os seus “agora e para sempre”. Com essas certezas em mente, pode-se arrumar as malas e partir!
Hoje não peregrinamos para adorar a Deus em lugares específicos e distantes, mesmo porque o cristianismo não tem lugares santos ou templos especiais para a adoração. Deus está junto a cada crente (Mt 28.20), por meio da habitação do Espírito Santo (1Co 6.19), e se faz presente em qualquer ajuntamento santo dos seus filhos (Mt 18.20). Entretanto, as necessidades e temores do salmista e dos demais peregrinos daqueles dias não estavam ligados apenas à jornada para adorar no Templo, mas aos perigos do mundo, os quais também nos afligem. Por isso, nossos temores não são diferentes dos israelitas do passado, nem nossas razões de esperança ligadas ao Deus verdadeiro. Por isso, nos momentos de insegurança é para a capacidade, constância, cuidado e companhia do protetor que temos de olhar, pensando conosco: “Se eu o perder de vista, estou perdido”.