“Quem está satisfeito despreza o mel, mas para quem tem fome até o amargo é doce” (Pv 27.7).
Durante uma festa de Natal, cerca de duas décadas atrás, vi uma cena que, não importa quanto tempo passe, nunca me foge à memória. Era a hora de abrir presentes e a filha de um casal rico correu até a caixa que tinha seu nome. Rasgando avidamente o papel de embrulho, ela se deparou com uma boneca linda e cara que eu nunca tinha visto. Ela falava, cantava e fazia um monte de outras coisas automaticamente. Para minha completa surpresa, a menina ficou furiosa porque não era a boneca que ela desejava. Ela gritou com os pais e disse que não queria aquele “lixo”, como ela se referiu ao presente. Então, a mãe pegou a boneca e a deu para outra menina que estava ao lado. Os olhos dessa menina brilharam e ninguém conseguiu fazê-la soltar o presente. Ela sentiu que aquele era um dos dias mais felizes que já tinha vivido.
Esses tipos de reação não são novidades dos tempos do consumismo moderno. Nesse provérbio, a intenção de Salomão não é falar sobre alimentos e apetite, mas sobre o modo de ver a vida, os bens e o valor que se dá ao que se tem. Assim, ele diz que “quem está satisfeito despreza o mel”. A figura do homem farto de comer serve para mostrar que mesmo as coisas mais aprazíveis, como o mel, tornam-se nauseantes para aquele que não tem necessidade de comida. Com isso, o escritor se refere ao pouco valor que algumas pessoas abastadas costumam dar a provisões e bens que são importantes para a maioria das pessoas, fazendo pouco caso deles e demonstrando desprezo. É claro que é muito difícil agradar gente assim. Afinal, como algo poderia agradar alguém que já tem tudo? É necessário, contudo, dizer que isso não é um problema obrigatoriamente atrelado à fartura, mas ao orgulho do pecador, o qual pode fazer com que ele se sinta superior àqueles que possuem menos que ele e acreditar que tem o direto de desprezar a tudo e a todos.
Por outro lado, o rei sábio observa que “para quem tem fome até o amargo é doce”. Se na figura alimentar a ênfase recai sobre a fome, para a qual qualquer alimento é bom o suficiente para causar saciedade, diante do enfoque sobre os bens ele aponta para aqueles que não são abastados e que passam certos tipos de privação. Segundo o provérbio, eles sabem dar valor aos menores e mais simples bens e provisões que recebem. O problema, nesse caso, está em não ser criterioso quanto ao que se valoriza, pois algumas posses podem desviar o bom homem de seu caminho correto. Outro problema é o risco de ele se tornar cobiçoso e invejoso. Por isso, o homem sábio deve saber dar o valor correto a Deus e aos bens e virtudes espirituais a fim de que possa render o valor correto aos bens do mundo. O homem que ama a Deus acima do mundo sabe ser grato pelo que tem, sem desprezar aqueles que possuem menos que ele, e sabe também ter pouco, alegrando-se pelas coisas superiores que possui no Senhor. A verdade é que há lugar tanto para o “mel” quanto para o “amargo” na vida daquele que foi saciado pelo amor de Deus e pela salvação em Cristo.