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Salmo 102 - O Microcosmos das Alianças de Deus
SATURDAY, FEBRUARY 22, 2020
Posted by: Igreja Batista Redenção | more..
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Na coleção de documentos da Casa Branca, nos Estados Unidos, há uma carta de uma criança, escrita em setembro de 1895, endereçada ao presidente Cleveland. Seu conteúdo é mais ou menos assim: “Para sua majestade (sic), o presidente Cleveland: Caro presidente, eu estou em um terrível estado de espírito e pensei em lhe escrever e contar tudo. Há cerca de dois anos eu usei dois selos postais que já tinham sido usados ​​antes em correspondências, talvez mais de duas vezes. Eu não percebi o que eu fiz até recentemente. Tenho pensado nisso dia e noite. Assim, caro presidente, o senhor poderia me perdoar? Eu prometo nunca mais fazer isso. Segue incluso o dinheiro referente a três selos. Perdoe-me, pois estou sinceramente arrependido do que fiz. De um dos seus súditos (sic)”.

Essa é uma correspondência muito interessante. Essa é a verdadeira demosntração de arrependimento e mudança de coração que deve marcar a vida de todos os cristãos, incluindo os do nosso tempo. Nesse sentido, o Salmo 102 guarda certas semelhanças. Por um lado, o salmista também está atribulado e enfrentando um estado de espírito terrível. Por outro, ele reconhece o erro das suas ações – ou do povo de Judá – e percebe que há consequências em se agir contra o bem. Não podemos deixar de notar que o salmista, assim como aquele pequeno rapaz que escreveu ao presidente americano, também tinha a esperança de ser alvo do perdão supremo.

O salmista não parece estar no final de uma vida longa, como dizem os que sugerem ser Daniel, em avançada velhice, seu compositor (vv.23,24) – apesar de certos trechos darem a impressão de que Jerusalém estava abandonada há tempos (vv.13,14). Entretanto, a aflição do escritor não parece ser fruto de uma reflexão sobre a triste condição que há tempos se abate sobre uma cidade que não vê, mas, sim, da observação presente da calamidade da cidade que ama e do povo a que pertence – suas ações são de profundo luto (vv.4-7,9), há inimigos que o perseguem por causa da calamidade (v.8) e a ira de Deus não parece estar prestes a acabar, mas em pleno decurso (v.10). Na verdade, as características ligadas ao contexto e a forte semelhança com o livro de Lamentações colocam Jeremias – ou alguém que compatilhou da sua realidade e que conhecia sua teologia – como um possível compositor do salmo. De qualquer modo, assim como no livro de Jeremias, é possível ver que o salmo engloba boa parte da teologia e da esperança dos servos de Deus do ponto de vista dos israelitas da antiga aliança. Duas verdades teológicas marcantes no Antigo Testamento ficam em destaque.

A primeira verdade teológica presente no salmo e em todo o Antigo Testamento é a repreensão do mal prevista na aliança condicional – aliança mosaica. Diferente do que alguns comentaristas bíblicos possam dizer, o salmista sabe sim a razão do seu sofrimento – não é como no caso de Jó, cujas razões da angústia lhe escapavam à compreensão. Plenamente cônscio das cláusulas de castigo pela desobediência inseridas na aliança mosaica (Lv 26; Dt 28), ele atribui os acontecimentos que se abateram sobre ele e sobre a cidade de Jerusalém à ira divina contra os pecados israelitas e à sua consequente condenação (v.10): “Por causa da tua indignação e da tua ira, visto que me elevaste e me lançaste [abaixo]” – o texto diz apenas “me lançaste”, mas sua ideia é a de reverter a ação anterior de elevar. Desse modo, a bênção oferecida no passado (Lv 26.3-13; Dt 28.1-14) seria, agora, revertida e transformada em castigo, conforme estipulado na aliança mosaica (Lv 26.14-39; Dt 28.15-68).

O resultado desse tratamento punitivo é a exposição, por parte do salmista, de uma tristeza tão profunda que não pode deixar de ser percebida e até sentida pelos leitores. Desde o título do salmo é possível ver o ânimo do escritor, pois se descreve como alguém “angustiado” e “que está a desfalecer”. Ele expõe a Deus seu clamor angustiado (vv.1,2) com termos sugestivos como “minha súplica”, “meu grito por socorro” (shawatî), e “dia da minha aflição”. A partir de então, o salmista passa a descrever seu estado de abatimento por meio de comparações marcantes e tristes. Ele se descreve como alguém a quem o tempo está consumindo (v.3,11) e que está para morrer antes da hora (vv.23,24). Sua alegria se dissipou de modo que nem sequer tem o desejo de se alimentar (v.4). O sentimento de aflição é tão grande que ele passa a sentir efeitos psicossomáticos que lhe causam dores corporais (v.5). Entre suas reações estão insônia frequente (v.6,7) e choro amargurado (v.9). Não é para menos, pois, além de ver o sofrimento do seu povo, ele também se tornou alvo da amargura alheia (v.8) pelo que está acontecendo com Judá e, mais especificamente, com a cidade de Jerusalém, nomeada como “Sião” (v.14).

A segunda verdade teológica marcante é a esperança da restauração futura prevista nas alianças incondicionais – aliança abraâmica, aliança davídica e nova aliança. Não obstante o sofrimento presente e a devastação que está para acontecer, o salmista olha para o futuro e traz de lá esperanças muito vivas a respeito do perdão de Deus e da restauração da capital israelita (v.13): “Tu te levantarás e terás compaixão de Sião” – a nova aliança enfatiza a ideia da restauração, enquanto a aliança abraâmica aponta para a posse e habitação da terra da promessa e a aliança davídiva aponta para o reinado perpétuo da dinastia de Davi na pessoa de Jesus. Olhando para a ocasião dessa ação restauradora de Deus, ele a descreve não como um evento produzido por circunstâncias aleatórias, mas como um tempo determinado para uma ação anunciada: “Pois é tempo de se mostrar o favor, pois chegou a ocasião determinada” (kî-‘et lehennah kî-ba’ mô‘ed). Os eventos descritos pelo salmista, os quais envolvem a restauração de Israel e o temor das nações a Deus (vv.15-17), identificam essa resposta às orações do salmista por restauração com o “Dia do Senhor” (Ob 15,17; Jl 3.14;17) e com reinado do rei eterno nascido em Belém (Mq 5.2-4; Ob 21), redundando na punição dos rebeldes (Is 2.12; Ez 30.3) e na associação dos tementes (Jl 2.31,32; Mq 4.1-3 cf. Sl 102.21,22). Esses eventos de perdão e restauração espiritual e política de Israel são previstos no que Jeremias descreveu como uma “nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá” (Jr 31.31 cf. vv.32-40). É surpreendente ver o salmista pensando em uma esperança tão definida e gloriosa em tempos em que a realidade que enfrentava era diametralmente oposta a isso – além do mais, podia surgir a impressão de que Deus havia desistido do seu povo e de cumprir o que lhe prometeu.

Como base para a segurança e a esperança apresentadas pelo escritor do salmo, são propostos alguns atributos de Deus que garantiam o futuro de Israel e de Jerusalém. Em primeiro lugar, o poder de Deus é exaltado a fim de criar esperança nos leitores de que, independente da força das nações, o Senhor é poderoso para reverter a situação. Esse poder é visto na sujeição dos reis e dos reinos a ele (vv.15,22), na sua demonstração de glória (vv.15,16) e na supremacia e elevação do seu trono (v.19). Em segundo lugar, o salmista alista a eternidade de Deus como motivo de confiança, já que ele – e seu correspondente domínio – sempre existiu e sempre existirá (vv.12,25,27). Mesmo os reinos poderosos pereceriam, enquanto o Senhor permaneceria (v.26), de modo que a geração que seria restaurada testemunharia tal pernamência (v.18). Em último lugar está a imutabilidade de Deus (v.27): “Pois tu és ele mesmo” (we’attâ-hû’) – ao dizer isso, o escritor aponta para o fato de que Deus é quem as Escrituras descrevem e que não haverá tempo em que ele não corresponderá à descrição bíblica ou às espectativas baseadas em suas promessas. Surge daí a noção da “fidelidade” de Deus, razão pela qual o profeta confia nas promessas de restauração futura do seu povo (nova aliança – cf. Jr 31; Ez 36; Jl 2), na habitação de Israel na terra prometida a Abraão (aliança abraâmica – cf. Gn 15.17-21) e no reinado perpétuo do descendente de Davi (aliança davídica – cf. 2Sm 7.11-17). Nesse dia se cumprirá o que o salmista, ainda que abatido ao escrever, previu esperançosamente (v.28): “Os filhos dos teus servos habitarão [aqui] e seus descendentes serão firmados diante de ti” .

Que verdades gloriosas que revelam tanto a justiça e a santidade de Deus como sua fidelidade, amor, graça e poder! A mesma esperança é compartilhada pela igreja visto ser beneficiária de promessas de estabelecimento eterno na presença de Deus. A certeza de que Deus cumprirá todas as suas promessas nos enche de esperança de ver o que foi anunciado. E a convicção de que, não importa quanto o mundo se afaste do bem e quanto o diabo demonstre ser o “deus desse século” (cf. 2Co 4.4), a vitória final pertence a Deus e ao Senhor Jesus Cristo (Ap 11.15)! Essa é uma esperança que devemos nutrir todos os dias e, guiados e fortalecidos por ela, manter uma vida santa no presente como quem viverá em glória.

Pr. Thomas Tronco

Category:  Reflexões diárias

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