“Como tirar a própria roupa num dia de frio, ou derramar vinagre numa ferida, é cantar com o coração entristecido” (Pv 25.20).
Sei de alguém que age de modo bastante inapropriado em velórios. Ele crê, assim como eu, que a morte de um crente em Cristo é um passo que se dá para uma condição extremamente melhor, deixando o pecado e o sofrimento para estar ao lado do seu salvador celestial, sendo assim, sob certo aspecto, um momento de alegria. Entretanto, essa pessoa desconsidera o sofrimento dos parentes enlutados e passa a fazer piadas no velório para alegrar os presentes, fazendo brincadeiras inapropriadas até mesmo com os parentes chorosos. Pensando que a dor não pode ter lugar na despedida de um crente falecido, esse sujeito inflige ainda mais dor e sofrimento àqueles que já choram a perda do ente querido.
Ao que tudo indica, esse tipo de insensibilidade é mais comum do que se pensa. Por isso, Salomão, conhecedor dos efeitos negativos dessa prática, ensina em que resulta a ação de “cantar com o coração entristecido”. Na verdade, a preposição hebraica usada nessa frase demonstra que o problema abordado pelo escritor é cantar “para” o coração entristecido, ou seja, para alguém que está com o coração pesado por algum evento que o entristeceu. Para explicar como é inapropriado demonstrar alegria perto da pessoa triste, o escritor compara essa ação a “tirar a própria roupa num dia de frio, ou derramar vinagre numa ferida”. Essas duas práticas causam sofrimento, seja o frio que se sente ao se vestir de modo inadequado, seja a dor causada em uma ferida, provavelmente recém-aberta, ao derramar sobre ela um líquido ácido como o vinagre. Os dois casos tratam de ações inadequadas dadas as circunstâncias. Do mesmo modo, o riso e o canto se mostram inapropriados em momentos de tristeza, de preocupação e de pesar.
É claro que o consolo não é errado, mas aconselhável. Temos até um exemplo bíblico de um homem atormentado, o rei Saul, que se acalmava ao ouvir músicas tocadas por Davi (1Sm 19.9). Entretanto, o problema abordado por Salomão parece ser causado pela insensibilidade em relação ao sofrimento das pessoas, fazendo com que o tolo faça coisas inapropriadas, conscientemente ou não. A verdade é que há um momento certo para tudo e o sábio percebe qual é a atitude apropriada que deve adotar, pelo que o mesmo escritor diz em outro livro que há “tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar” (Ec 3.4). O servo de Deus é chamado a ser consolo para os abatidos, força para os enfraquecidos e alguém compadecido dos que sofrem seguindo a orientação de outro escritor bíblico que diz “alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram” (Rm 12.15).